Ciladas e Critérios para aceite e recusa imotivada de jurados
Os jurados são juízes leigos, populares, os quais são arregimentados da comunidade onde ocorreu um crime doloso contra a vida, bem como seus conexos. Eles não tem de regra qualquer formação jurídica e não integram a magistratura togada, concursada e funcionam no ponto alto do procedimento bifásico ou escalonado do júri que é o plenário, onde integram o conselho de sentença, órgão colegiado composto de sete cidadãos leigos, os jurados.
O conselho de sentença tem a função precípua de julgar matéria fática, isto é, as questões ocorridas no mundo físico e com consequências na esfera jurídica do tribunal do júri, vale dizer, decidem questões relevantes no júri, porém, despidas de roupagens jurídicas, as quais competirá ao juiz presidente do júri, profissional de carreira e técnico do direito, fazer a devida adaptação à linguagem do direito posto, seja por meio do seu poder de polícia na condução dos trabalhos, seja na prolação de sentença, enfim, os jurados são juízes leigos e julgam de fato o fato que lhes é submetido, competindo ao juiz que preside a sessão do júri julgar de direito. Assim, quem julga o mérito da causa levada a júri, isto é, se o réu é culpado ou inocente, são os jurados, incumbindo ao juiz togado nesse caso apenasmente ratificar a soberana decisão promanada dos sete juízes populares, os jurados, condenando ou absolvendo o réu.
São convocados para cada sessão do júri pelo menos 25 jurados com domicilio na localidade onde o crime aconteceu, ostentando cada um deles ao menos 18 anos de idade, em pleno gozo de seus direitos civis e políticos e de conduta ilibada. No dia da sessão do júri, presentes ao menos 15 jurados desses 25 convocados, o juiz presidente instala a sessão, podendo cada uma das partes processuais recusar injustificadamente, ou seja, sem indicar o motivo, até três jurados. Anote-se que se tiver mais de um réu em julgamento na mesma sessão de júri, cada qual poderá recusar, por seu defensor, até três jurados, de modo que, caso existam dois réus em julgamento, a defesa poderá recusar imotivadamente até seis jurados e assim por diante. A acusação, independente do número de réus em julgamento, só poderá recusar até três.
No instante do sorteio dos sete jurados que vão compor o conselho de sentença, poderá haver por parte da defesa e acusação recusas motivadas ou justificadas, ou seja, os jurados poderão ser recusados por algum impedimento ou suspensão que possam contaminar a imparcialidade deles no julgamento da causa, consoante arts. 252/254 e 462, todos do CPP. As recusas motivadas de jurados não têm limites. Se acontecer de não existir o número mínimo de sete jurados para a composição do conselho de sentença, por conta das recusas motivadas e imotivadas, o que a doutrina chama de estouro de urna, o juiz presidente então redesignará a sessão para outra data mais oportuna, tomando as providências legais para evitar novo adiamento por conta disso.
A questão é saber quais os critérios que a defesa pode ou deve adotar nas recusas imotivadas ou injustificadas dos jurados, objetivando compor de maneira mais criteriosa e favorável o conselho de sentença que irá decidir o destino de seu cliente, o que de regra não é alcançado de forma plena, uma vez limitado o número de recusas a três jurados de regra, de sorte que se numa lista de vinte e cinco jurados existirem, por exemplo, cinco jurados que não tenham o perfil que esperamos encontrar neles para que julguem o acusado, só poderemos eliminar do jogo três deles, restando ainda dois que poderão integrar o conselho de sentença e por ai vai, o que não deixa de ser um alento!
Assim, no dia marcado para a sessão de júri, a defesa terá acesso à lista dos vinte e cinco jurados convocados, com seus nomes e profissões, estas nem sempre atualizadas, mas já é alguma coisa. O tribuno mais cauteloso poderá ainda ir ao fórum dias antes do julgamento e já ter acesso antecipado a essa lista, com vistas a pesquisar nos facebooks dos jurados por seus nomes, caso tenham, o que poderá proporcionar ao tribuno detalhes pessoais de cada um deles, permitindo quem sabe desenhar o perfil de cada um e com isso inclui-los ou exclui-los do jogo processual, sempre limitado de regra a três recusas. O sexo, cor, etnia e religião dos jurados, poderão eventualmente fazer a diferença, dependendo de cada caso em concreto, eis que nada nesse tema é absoluto, cientifico, ainda mais que quem vê cara não vê coração!
Certa feita fizemos um plenário de júri onde conseguimos para o conselho de sentença seis jurados negros e um branco. O nosso cliente era negro. A tese era de negativa de autoria. O júri perdurou por dois dias e ao final o acusado foi condenado por sete votos a zero. Em outra feita, defendemos um réu em que a principal tese era homicídio privilegiado pela violenta emoção. Foi um crime passional, onde o nosso cliente matou a mulher adultera depois que descobriu a traição. Ganhamos o privilégio por sete a zero (na ocasião ainda se revelavam todos os votos da urna). Esse conselho de sentença foi formado por sete mulheres! Nada é absoluto!
Consideramos a profissão de cada jurado um dado objetivo muito importante para seu aceite ou recusa. Essas informações, como já visto, constam na lista de jurados que é disponibilizada aos tribunos no dia do julgamento. Se o acusado já é reincidente em crimes contra o patrimônio, não será prudente aceitar o jurado cuja profissão seja comerciante, bancário, vigia noturno, segurança etc., por motivos bem sabidos. Nesse caso ainda, se o jurado já foi vítima de roubo, a situação será dramática!
Algumas ciladas também poderão surgir na escolha dos jurados. Vamos mencionar algumas ocorridas conosco. Numa certa lista de jurados, havia um cuja profissão constava como autônomo. Em outro júri, existia uma jurada cuja profissão indicada era estagiária. Ainda em outro plenário por nós realizado, constava da lista um jurado cuja profissão era funcionário público. No instante do sorteio desses três jurados, indagamos ao juiz presidente qual era exatamente a atividade dos jurados e onde eles exerciam suas funções e, qual não foi a nossa surpresa, quando o jurado da primeira situação respondeu que era vigia noturno, sendo o nosso cliente reincidente em crime contra o patrimônio; a jurada da segunda situação informou que era estagiária do MP! Finalmente, o jurado da terceira situação era policial do DHPP! Claro que imediatamente recusamos esses três jurados, por motivos óbvios, dizendo educadamente ao juiz presidente que a defesa agradecia o comparecimento deles, mas os recusava!
Em nossa atuação perante os plenários de júri, preferimos particularmente aceitar jurados cuja as profissões estejam umbilicalmente ligados com as mazelas humanas, como professores, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, bem como espíritas, evangélicos etc., os quais assim (a regra não é absoluta!), podem ser mais sensíveis às tragédias humanas.
Desse modo, não fica difícil depreender que a escolha de jurado é um terreno movediço, um pântano com não poucos crocodilos, um esconderijo insondável, podendo apenas as máximas de experiências às vezes nos socorrerem e, mesmo assim, se o réu sair com vida, normalmente irá lhe faltar pedaço de algum membro! Boa sorte!
Romualdo Sanches Calvo Filho
Advogado criminalista, professor de direito e processo penal e presidente da APDCrim, com mais de 30 anos de experiência em plenários de júri de todo o Brasil.
Rômulo Augusto Sanches Calvo
Advogado criminalista e pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Mackenzie, com capacitação docente.