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Ausência de controle recursal da decisão dos jurados que absolve o réu no quesito genérico.


Como é cediço, a decisão dos jurados que absolve o réu, segundo a sistemática do art. 593, III, “d”, §3º do CPP, pode ser cassada, isto é, julgada sem efeito, determinando-se a renovação do julgamento pelo júri, o que pode acontecer por apenas uma vez, numa espécie de soberania mitigada!

No segundo julgamento do réu determinado por essa cassação, caso se repita ou não a primeira decisão, nenhuma das partes processuais assim – acusação e defesa -, poderá novamente valer-se daquele mesmo fundamento para questionar o mérito do resultado, isto é, não se poderá por uma segunda vez lançar mão do art. 593, III, “d” do CPP.

De qualquer modo, conforme sistemática tradicional, o juízo “ad quem” ou órgão recursal, só poderá cassar a primeira decisão emanada do conselho de sentença se efetivamente essa decisão for manifestamente contrária à prova dos autos, ou seja, os jurados tiverem decidido de maneira arbitrária, caprichosa, tirânica, divorciada portanto do caderno probatório, enfim, não existir nos autos nenhuma versão que conforte a decisão de mérito dos jurados, uma vez que do contrário, o tribunal não poderá cassar a decisão e, caso o faça, será passível da impetração de ordem de Habeas Corpus, no caso de cassação da absolvição, como já ocorreu algumas vezes em nosso escritório, quando tivemos êxito perante os tribunais superiores.

Todavia, a questão nova que se traz à baila, ainda dentro do tema aqui discutido, é a de se saber se quando os jurados absolvem o réu por meio do quesito genérico os jurados absolvem o acusado?, poderia o MP recorrer dessa decisão, com a interposição do recurso comum de apelação, lastreado no art. 593, III, “d” do CPP, independente de a defesa ter em plenário especificado as teses absolutórias para essa decisão de absolvição, permitindo assim ao MP rebater cada uma dessas teses invocadas e com isso exercer o duplo grau de jurisdição.

Refletindo detidamente sobre tão intrincado tema, nomeadamente após o advento da CF de 05/10/1988, bem como com a edição da Lei 11.689/2008, que determinou a reforma pontual no procedimento especial do júri, somos agora partidários do entendimento de que isso não é mais possível, uma vez que o quesito genérico antes mencionado e previsto no art. 483, III, §2º do CPP, permite aos jurados não só acolherem essa ou aquela tese eleita pela defesa técnica ou pelo réu, mais também, divergindo de ambos, optarem por outro fundamento, até de ordem metajurídica, objetivando a absolvição pura e simples do réu submetido a julgamento, isto é, jamais saberemos na atual sistemática por qual ou por quais argumentos ou fundamentos os jurados absolvem um determinado réu no plenário de júri, diferentemente do que acontecia antes do advento da Lei 11.689/2008, haja vista prevalecer a livre convicção intima deles, diferentemente dos juízes togados, os quais devem motivar ou fundamentar suas decisões, “ex vi” do disposto no art. 93, IX da CF, de maneira que o recurso de apelação do MP seria estéreo, certo que não poderia rebater o fundamento, jurídico ou metajurídico, adotado pelo conselho de sentença na absolvição do réu, o que privilegia a plenitude de defesa no denominado “judicium causae” ou juízo de mérito ou da causa no plenário de júri, considerando ainda o argumento mais forte de que o tribunal do júri está disposto no art. 5º, XXXVIII da CF, como um dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, não sendo mera regra de competência geral do júri para julgar crimes dolosos contra a vida.

Com efeito, diz o art. 472 do CPP, em síntese, que os jurados deverão proferir suas decisões de acordo com suas consciências e os ditames da justiça, o que agora veio coroado pelo art. 483, III, §2º do mesmo estatuto processual, corolário da soberania de seus veredictos gizado no art. 5º, XXXVIII, “c” da CF, ou seja, a decisão dos jurados não está vinculada a nenhuma prova, podendo eles absolver o réu amparado na clemência, misericórdia, piedade, falta de prova etc., cujos fundamentos não podem e não devem ser formalmente externados no instante do julgamento, sob pena de violação do sigilo das votações e com isso a dissolução do conselho de sentença.

Assim, cremos que doravante o recurso de apelação no júri previsto no art. 593, III, “d” do CPP, só poderá ser manejado pela defesa no caso de condenação do réu, eis que o fundamento da condenação promanada dos jurados somente será aquela plasmada na decisão de pronúncia, baliza da acusação no plenário de júri e portanto de conhecimento inequívoco da defesa, ao contrário da absolvição, cuja a baliza é infinita, enfim, atrevemo-nos a dizer que a apelação do art. 593, III, “d” do CPP, na atual sistemática recursal do júri, passou a ser privativa da defesa e somente no caso de condenação, como acontece na revisão criminal e nos embargos infringentes e de nulidades, à semelhança do que acontece no júri norte americano e inglês. O MP só poderia manejar o recurso de apelação baseado nas alíneas “a”, “b” e “c” do art. 593, III do CPP, mas jamais na alínea “d” do mesmo dispositivo, salvo nos casos de absolvição do réu pelo art. 483, I ou II do CPP, ou seja, quando o réu fosse absolvido por negativa da materialidade do fato ou por negativa de autoria, quanto o MP poderia se valer da apelação com fundamento no art. 593, III, “d” do CPP, mas nunca quando à absolvição se estribasse no quesito genérico do art. 483, III, §2º do CPP.

Romualdo Saches Calvo Filho

Advogado criminalista, professor de direito e processo penal e presidente da APDCrim.

Rômulo Augusto Sanches Calvo

Advogado criminalista e pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Mackenzie


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