Interpor ou não recurso em sentido estrito contra sentença de pronúncia?

Já vimos em outra oportunidade que nem sempre é interessante à defesa elaborar alegações finais, orais ou escritas, de forma extensa, enfrentando todas as questões mais cruciais favoráveis ao cliente na primeira fase do júri, especialmente quando, digamos, a nota atribuída pela defesa ao cabedal probatório favorável ao acusado em cada caso em concreto, não obtiver uma nota de oito para cima, uma vez que vige no fórum criminal a perniciosa praxe de se louvar no brocardo “in dubio pro societate” para se pronunciar uma miríade de réus, quando o correto seria aproveitar a dúvida razoável para beneficiá-los, invocando-se ainda na primeira fase do júri o correto brocardo “in dubio pro reo”.
Desse modo, somente quando a nota atribuída a favor do acusado fosse igual ou superior a oito é que a defesa deveria ser mais detalhista em suas alegações finais, explorando todo e qualquer ponto que pudesse levar à impronuncia, absolvição sumária, desclassificação ou afastamento de qualificadora. Se a nota fosse abaixo de oito, segundo a ótica da defesa, as alegações finais então deveriam ser confeccionadas em termos curtos, simples e objetivos, sem mostrar ao adversário nossos futuros e preciosos argumentos nessa primeira fase, mas deixando-os para o plenário de júri, uma vez que a sentença de pronúncia neste último caso seria “favas contadas”!
A questão aqui lançada agora é sobre o interesse de a defesa interpor ou não recurso em sentido estrito contra a sentença de pronuncia, o que se constitui em outro tema tormentoso aos operadores do direito que militam na seara do tribunal do júri, principalmente em razão de que a sentença de pronuncia é uma decisão processual de conteúdo declaratório, vale dizer, não absolve e tampouco condena o réu, mas apenas sinaliza a verossimilhança existente entre a peça inicial acusatória e os fatos simetricamente demonstrados pelo MP em juízo, enfim, trata-se de um juízo provisório da pretensão punitiva que poderá ser ou não referendado pelos membros do conselho de sentença, os jurados.
Dessa forma, discutisse aqui até que ponto será interessante à defesa recorrer em sentido estrito contra essa sentença de pronúncia, nomeadamente porque isso implicará em algumas consequências de ordem processual e até pessoal a favor ou contra o réu. Com efeito, abordaremos aqui as situações mais recorrentes que vivenciamos em nosso escritório, augurando poder ajudar com isso os colegas advogados, estudantes e demais operadores do direito.
Para isso, vamos considerar uma nota de oito para cima ao cabedal probatório favorável a um réu pronunciado, acrescentando estar ele preso cautelarmente só por esse processo. Pensamos que nesse caso seja interessante interpor recurso em sentido estrito contra sentença de pronuncia, uma vez que teríamos boa probabilidade de êxito no recurso, quando não desperdiçaríamos essa rica oportunidade de obter sucesso de alguma tese refugada pelo juiz na sentença de pronuncia, tudo sem prejuízo de impetrarmos ordem de Habeas Corpus para conquistar sua liberdade provisória. Se esse mesmo réu estivesse solto, o raciocínio inicial seria o mesmo. Ainda tomando esse exemplo, caso a defesa tivesse atribuído ao cabedal probatório uma nota inferior a oito, não seria nada interessante ingressarmos com recurso em sentido estrito para atacarmos o mérito direto da pronuncia, salvo se esse réu estivesse também preso por outro motivo, uma vez que do contrário, tudo indica que o órgão recursal confirmaria a sentença de pronuncia em razão do malsinado “in dubio pro societate”, agravado ainda pela situação de que o julgamento desse recurso em sentido estrito, ao menos em São Paulo, não demora em média menos de 10 meses a 1 ano para ser julgado, ou seja, além de se confirmar a sentença de pronuncia, o réu ficaria cautelarmente preso por cerca de 1 ano, fora outro tempo para marcação do júri, o que seria ainda mais agravado se ele for absolvido no júri ou condenado por um crime cuja a pena seja inferior ao tempo cautelarmente preso. Na situação narrada, não vale a pena recorrer, mas deixar transitar em julgado a sentença de pronúncia, manejando habeas corpus para quem sabe conseguir a sua soltura enquanto o júri não acontece.
Ainda em outra situação, aproveitando-se esse mesmo exemplo, caso o réu esteja solto e a nota for inferior a oito, tudo indica que a sentença de pronuncia seria confirmada pelo órgão recursal, porém, em razão de estar esse réu em liberdade, seria quem sabe o manejo do recurso em sentido estrito interessante simplesmente para ganhar tempo, no sentido de baixar a poeira do “strepitus judicii” provocado em certos homicídios ocorridos em pequenas comunidades ou quando ainda cai no gosto da mídia sensacionalista.
Em conclusão, a defesa deverá analisar cada caso em concreto e verificar juntamente com o cliente o interesse de se interpor ou não o recurso em sentido estrito em face da sentença de pronuncia.
Romualdo Saches Calvo Filho
Advogado criminalista, professor de direito e processo penal e presidente da APDCrim.
Rômulo Augusto Sanches Calvo
Advogado criminalista e pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Mackenzie