Os jurados e as teses defensivas não expressas em lei e tampouco objetos de debates no plenário de j
É indiscutível que no procedimento especial do júri, o ápice, a cereja do bolo, aquilo que nos tira o fôlego e que faz brilhar os olhinhos dos tribunos, é o plenário, arena da palavra, onde os protagonistas são desnudados, onde tudo é feito ao vivo e a cores, sem chorumelas, quando também e principalmente o acusador se utiliza dos seus pontos mais fortes para convencer os jurados da sua tese, enquanto que a defesa não fará por menos, esboçando todo seu talento e vivacidade para vender aos sete compradores em potencial, os jurados, o produto ou produtos que tem à disposição, quais sejam, as teses defensivas ou simplesmente antíteses, eis que na verdade quem ostenta tese ou teses é a acusação.
Assim, tanto a acusação como a defesa, cada qual dentro do seu tempo estabelecido em lei, utilizam-se da palavra dominantemente falada, com escopo de cativar os sete compradores de suas teses e antíteses, vencendo, nesse jogo processual, nem sempre limpo e igualitário, aquele que tiver mais habilidade, melhores argumentos, boa prova, boa técnica, presença de espírito etc.
Nesse contexto, faço perceber que os destinatários finais desse jogo dialético são os jurados, aqueles que decidirão a vida, o destino de um de seus pares, afinal, no tribunal do júri, especialmente na sua segunda fase, são eles, os sete cidadãos leigos, que julgam o mérito da causa, culpado ou inocente, e não o juiz presidente, o qual, na sistemática do júri, apenas endossa, corrobora, ratifica, abona aquilo que foi decidido sigilosa e monocilabicamente por aqueles sete juízes leigos.
Como também sabemos, os jurados julgam de acordo com a sua livre convicção íntima, pessoal, subjetiva, o que lhes dá o poder acima do próprio juiz presidente, togado e concursado, o qual só pode decidir de acordo com a sua livre convicção motivada, fundamentada, justificada, ou seja, diferentemente dos jurados, o magistrado de carreira tem que dizer o porquê de ter decidido desta ou daquela forma, sob pena de nulidade, ex vi do art. 93, IX da Lex Mater.
Isso ganhou ainda mais relevo com a edição da lei 11.689/08, a qual trouxe importante reforma pontual no procedimento bifásico ou escalonado do júri, nomeadamente ao introduzir o quesito ou pergunta obrigatória no questionário que deve ser respondido ao final dos debates pelos sete jurados na sala especial (art. 483, III do CPP), qual seja, deve o juiz presidente introduzir na quesitação o quesito se o jurado absolve o acusado, o qual passou a englobar toda e qualquer excludente de tipicidade, ilicitude e culpabilidade, como, exempli gratia, legítima defesa, coação moral irresistível etc., as chamadas teses defensivas absolutórias.
Dessa forma, esse quesito agora obrigatório, dirimiu ou ao menos minimizou a sementeira de nulidade provocada pelo detalhamento que deveria o juiz presidente fazer para formular as teses de exclusão de ilicitude ou da culpabilidade e que acontecia antes da edição da lei 11.689/08, o que tornava por vezes confuso, incompreensível e mesmo hermético aos jurados a tarefa de votar, os quais, não raro, ao longo das votações, perdiam a noção do que exatamente estavam acolhendo ou rejeitando e a favor de quem ou contra quem, sucedendo muitas vezes que o acusado era condenado sem querer ou mesmo absolvido involuntariamente, enfim, um verdadeiro samba do crioulo doido, uma torre de babel!
Dessa feita, parece-nos que esse quesito obrigatório arrefeceu em grande parte essa celeuma de se esmiuçar em quesitos cada excludente de ilicitude e culpabilidade, tornando a quesitação um caminho espinhoso, tortuoso, não só para os jurados, mas também para o juiz presidente e as partes processuais, o que agora não mais acontece, significando esse quesito obrigatório uma verdadeira vitória para o postulado da plenitude de defesa, suavizando com isso algumas desigualdades gritantes ocorridas no plenário de júri em prejuízo da defesa!
Entre os benefícios trazidos pelo quesito obrigatório se o jurado absolve o acusado, podemos mencionar indubitavelmente as teses supralegais de clemência, misericórdia, condescendência, benevolência etc., as quais já foram inúmeras vezes utilizadas por estes subscritores em alguns de seus júris reais, sempre com a desaprovação do MP e algumas vezes com a tolerância do juiz presidente!
Nesse diapasão, podemos asseverar que hoje é pacífico no plenário de júri a utilização pela defesa dessas teses supralegais, cujo argumento mais forte é o soberano veredito popular que encontra respaldo na plenitude de defesa e também na livre convicção íntima dos jurados, consequência do sigilo das votações, ou seja, as mencionadas teses supralegais (clemência, misericórdia etc.), encontram pedestal no próprio texto constitucional, ainda que a defesa sequer tenha invocado referidas teses, ou seja, os jurados podem acolher essas teses supralegais absolutórias durante a votação sigilosa, tenha ou não a defesa técnica requerido isso, o que não era possível, ou de difícil efetivação, antes da reforma pontual ocorrida no procedimento do júri em 2008.
Romualdo Sanches Calvo Filho
Advogado criminalista, professor de direito e processo penal e presidente da APDCrim, com mais de 30 anos de experiência em plenários de júri de todo o Brasil e Gestor da Sanches Calvo Advogados
Rômulo Augusto Sanches Calvo
Advogado criminalista e pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Mackenzie.