A necessária preparação da tese de homicídio privilegiado para o plenário de júri
O ponto alto do procedimento especial do tribunal do júri, também chamado escalonado ou bifásico, indiscutivelmente é na sua segunda fase, o plenário de júri, onde de regra ocorrem acalorados debates entre a promotoria e a defensoria, cujo público-alvo é preponderantemente os sete juízes populares, os jurados, os quais, ao final dessa peleja processual, dessa livre argumentação das partes, deverão optar por uma das versões oferecidas por cada um dos tribunos, sem prejuízo de poderem os jurados escolher a sua própria, o que não é tão comum, mas que se apresenta totalmente factível, especialmente após a reforma pontual do júri ocorrida pela Lei 11.689/08, como, por exemplo, absolver o acusado pela tese extralegal de clemência etc.
Como sabemos, vigora no procedimento do júri, nomeadamente diante dos jurados, o princípio da plenitude de defesa que nada mais é do que a soma da defesa técnica, autodefesa e defesa vulgar ou profana, isto é, o tribuno da defesa poderá lançar mão de argumentos sociológicos, antropológicos, médicos, políticos, econômicos, culturais, psicológicos etc., que não necessariamente leis substantivas penais e processuais, Constituição Federal etc., tudo com vistas a influenciar na livre convicção íntima do sete juízes leigos.
Nessa toada, o tribuno poderá no plenário de júri não só repetir aos jurados as mesmas teses por ele utilizadas na primeira fase do júri ou sumário de culpa, mas também acrescentar outra, abandonar alguma, de maneira a concretizar a estratégia que possa vir ao encontro do melhor resultado possível em cada caso, certo que para o acusado sempre interessa o desfecho que possa colocá-lo o mais próximo possível da tão sonhada liberdade, como já dizia o saudoso tribuno de júri Clarence Darrow.
Urge desse modo que o advogado da defesa eleja pelo menos duas teses defensivas para debater em plenário a favor do seu constituinte ou em prol daquele para quem foi nomeado pelo juiz, especialmente quando não seja o caso puro e simples de negativa de autoria ou participação ou ainda de uma tese em comum com o MP, uma vez que nesses dois casos, o caminho a ser trilhado será sustentar unicamente uma tese em comum. Afora isso, não há limite no número de teses defensivas que podem ser mencionadas e preferentemente explicadas ao conselho de sentença, tudo sempre balizado pelo bom senso do defensor, uma vez que ficaria um tanto bizarro, até mesmo inconsequente, despejar na cabeça dos jurados uma miríade, um sem número de teses defensivas, no esquema se pegar pegou, o que pode gerar perplexidade e descrédito nos jurados com relação ao defensor, podendo colocar tudo a perder, sem contar o fato de que não basta ao tribuno mencionar quatro, cinco ou seis teses defensivas, sendo de grande importância a explicação sedutora e dialética de cada uma delas aos jurados, os quais devem ser convencidos da plausibilidade de uma ou algumas dessas teses, ainda mais considerando que quando se trata de apenas um réu em julgamento, o defensor disporá de até uma hora e meia para essa hercúlea tarefa, não podendo contar com a tréplica para terminar de explicá-las, uma vez que poderá não acontecer a réplica do promotor.
A atenção da defesa deve ser redobrada quando a tese eleita, ou uma delas, seja a de homicídio privilegiado, disposto no art. 121, §1º do Codex, em verdade, causas especiais de diminuição de pena, compostas por três figuras, relevante valor social ou moral e domínio de violenta emoção logo em seguida à injusta provocação da vítima, as quais não absolvem o réu, mas diminui-lhe a pena, favorecendo a fixação de um regime prisional mais brando, além de afastar a hediondez do crime. Sempre brincamos afirmando que essa tese, em muitos casos, funciona como um plano b, uma salvação da lavoura ou ainda um verdadeiro paraquedas de reserva, eis que se nada der certo, os jurados poderão acolher essa tese como uma espécie de tiro de misericórdia, especialmente quando as circunstâncias judiciais forem totalmente favoráveis ao acusado.
Quando é que a defesa pode sustentar essa tese no procedimento bifásico do júri? Reposta: somente no plenário de júri, diante dos jurados, conforme preceitua o art. 7º da LICPP (decreto Lei. 3.931/41). Assim, é erro crasso requerer-se da primeira fase do júri ou sumário de culpa, reconheça o juiz esse homicídio privilegiado, seja por proibição legal antes mencionado, seja também por sua impossibilidade, independente até da lei, uma vez que se trata, como já visto alhures, de causa especial de diminuição de pena e, como é elementar, não existe nessa primeira fase qualquer tipo de condenação do réu, o que deverá ser apreciado, se o caso, na segunda fase do júri e por meio da sentença de pronúncia.
Surge nova indagação: significa então que no sumário de culpa nada poderei fazer como defensor para o preparo dessa tese? Claro que sim. Uma coisa é não poder requerer ao juiz no sumário de culpa o reconhecimento do homicídio privilegiado e outra completamente distinta é preparar o caminho, produzir provas, todas admitidas em direito, no sentido de armazenar um bom conjunto probatório para convencer os sete jurados no plenário de júri de ter o seu cliente matado a vítima, por exemplo, sob o domínio de violenta emoção logo em seguida à injusta provocação da vítima, ou seja, deve o advogado já pavimentar a estrada dessa tese defensiva na primeira fase do júri, como perguntando ao acusado em seu interrogatório de que modo ele foi ofendido pela vítima, quais palavras chulas lhe foram dirigidas por ela, se havia circunstantes que ouviram isso, até pedindo ao acusado e testemunhas que nominem as palavras chulas, eis que os jurados precisam aquilatar a proporção das ofensas, inteirando-se de sua dimensão, até porque o processo penal ampara-se no princípio da verdade real.
Assim, uma coisa é a vítima ter chamado o acusado de “filho da mãe” e outra é tê-lo chamado de “filho da p#*%”; uma situação é a vítima ter mandado o acusado “tomar banho” e outra é tê-lo mandando “tomar no c#*”. Esses fatos devem assim ser produzidos por testemunhos, autodefesa do acusado, documentos, filmagens etc., se possível ainda na primeira fase do júri, facilitando a vida do defensor e do acusado, especialmente impedindo que a prova desse homicídio privilegiado possa eventualmente desaparecer até a marcação da sessão de julgamento. Boa sorte e sucesso na tese eleita.
Romualdo Saches Calvo Filho
Advogado criminalista, professor de direito e processo penal e presidente da APDCrim e Gestor da Sanches Calvo Advogados